Ambiente democrático? II

Sou a favor do fato do Grêmio ter um novo estádio. Sou a favor do avanço, da melhor mobilidade, dos banheiros limpos, das lanchonetes limpas, até das cadeiras mais confortáveis (apesar de achar isso, as cadeiras, secundário). Acima de tudo, sou a favor da ideia de que um esporte como o futebol tem que ser acessível para todos. Por isso condeno os preços cobrados atualmente para se entrar em um estádio.

Quando um time escolhe alguém, como o Grêmio fez comigo, muitas coisas estão nessa influência, menos o quanto de dinheiro eu tinha ou vou ter um dia.

Você torce para um time porque seu pai, seu irmão, seu melhor amigo, seu tio, porque alguém te influenciou. Ou porque você achou aquelas cores bonitas. Ou porque aquele time ganhou tudo quando você estava tomando essa decisão. Talvez porque alguém te obrigou. Mas ninguém (nem mesmo você) perguntou algo do tipo: quanto você ganha?

Portanto, dinheiro é uma coisa secundária em futebol, à princípio. O que vale é a paixão, o sofrimento, a alegria, a dor, a angústia, o entusiasmo, o alívio. Sentimentos. É por isso que alguém torce para um clube. É por isso que um cara que ganha 500 reais por mês e um milionário podem torcer para o mesmo time. É por isso que um guri que nem mesada ganha pode viver a mesma emoção que um adulto atolado em dinheiro quando estão à beira de um gramado riscado.

E quando você tem um time do coração, depois de comemorar uma conquista de taça, ir ao estádio ver seu esquadrão jogar ao vivo é, provavelmente, a maior das emoções.

Só que os gestores do futebol moderno passaram por cima disso tudo. Eles estão selecionando, dizendo que só os torcedores ricos têm o direito de gozar desses prazeres. Só quem é rico pode ir a um jogo de futebol moderno. Os pobres devem se contentar com a memória (o que talvez seja mais emocionante – ironia mode on).

Outro dia tentei ir ao jogo do Grêmio. Era aquele Grêmio X Fluminense, jogo de volta da Taça Libertadores 2013, fase de grupos. O jogo era na quarta-feira e eu tentei comprar ingresso “apenas” na segunda, quando tive a confirmação de que poderia viajar para assistir ao match.

Os ingressos mais baratos custavam R$ 80 e já estavam esgotados. Havia uma segunda opção a R$ 90, que também se esgotaram antes de eu comprar. E a terceira opção estava a R$ 160. Para ir eu e minha mulher (poderia ser meu filho ou meu melhor amigo – nada melhor do que uma companhia pra dividir esses momentos históricos) custaria R$ 320 só de ingresso (e estamos falando aqui de compra com carteirinha de sócio DIAMANTE, que dá um desconto patético de 5%).

Ouvi dizer que o estacionamento nas voltas da Arena custa em torno de R$ 40. E, como moro a 450 quilômetros de POA, precisaria calçar mais uns 250 mangos de combustível. Calculando, a brincadeira sem água, refri ou pipoca, dormindo no carro, custaria 610 Reais imaginários.

610 paus para ver um jogo de bola de um time que ultimamente só me decepciona. É claro que eu não fui. Imagina o cara que vive de salário mínimo (678 Reais).

Antes que me avisem que a Arena terá uma área “popular” (Geral) a R$ 40, eu digo que ainda assim é caro. Esse espaço, em meio a uma torcida organizada, não pode ser seguro para crianças e mulheres. Organizadas são grupos mafiosos cujo principal objetivo é vencer brigas contra organizadas de outros times.

A R$ 80 Reais por jogo, ninguém que tenha um soldo inferior a R$ 3.500 pode ir a todos os jogos de seu time no mês (que são apenas quatro) sem comprometer o orçamento familiar, ou seja, alimentação, saúde, educação e bem-estar de sua família.

Comparo aqui com um esporte de elite, o motocross. Nos Estados Unidos, onde ele é mais difundido, onde ele tem uma aceitação muito boa e ainda assim é um esporte muito menor que o futebol na maioria dos países do mundo (e provavelmente no próprio EUA), o supercross (que é um motocross disputado dentro de estádios) vai para a final no próximo fim de semana.

Lá, o ingresso mais barato para a RODADA FINAL custa 50 dólares (cerca de 100 Reais) e o mais caro, na área VIP, custa 90 dólares (algo em torno de 180 Reais). Em 16 rodadas realizadas até aqui no campeonato, nenhuma teve menos de 35 mil pessoas nas arquibancadas. Algumas tiveram mais de 60 mil espectadores. Isso tudo disputado em estádios moderníssimos, como Georgia Dome, Lucas Oil Stadium, ou Metrodome – repare que são todos, inclusive, cobertos, com sistema de calefação para suportar as baixas temperaturas e modernos assentos, banheiros e todas as mordomias que o mundo elitizado exige. E você sabe que a relação de U$ 50 para quem ganha em dólares é diferente de R$ 50 para quem ganha em reais.

Essa elitização dos templos do futebol está errada. Isso é um absurdo. O futebol não escolhe salário, nem credo, nem cor, nem opção sexual. O cara que antigamente entrava no estádio para ver o jogo com um realzinho tem o direito de ir à Arena do Grêmio, ao novo Beira Rio, ao novo Palestra Itália. E o rico tem a total liberdade para pagar por seu camarote, por sua área VIP com uísque e o escambau. TODOS devem ter acesso aos jogos do seu time, até porque o grito de apoio do rico ou do pobre faz o mesmo barulho neste caso.

Os times deveriam se escorar nas cotas de TV, nos patrocínios, em outras fontes de renda, e não nos ingressos. A renda de ingresso deveria ser mixaria no orçamento de um clube. Deveria, no máximo, pagar as despesas do evento. Clube de futebol não tem que LUCRAR com ingresso. Isso tem que vir de outras áreas, para que o torcedor, qualquer torcedor, possa entrar na sua casa e sentir o cheiro da grama, escutar o som do chute, observar o jogador fora da jogada, ver o goleiro comemorando sozinho, ter a percepção das coisas que a imprensa NÃO mostra.

Saludos desde o mundo imaginário,

Para ver isso, neste lugar, custa R$ 100