Arthur e o deitar da ampulheta

Aconteceu há uns dois ou três anos: estava eu numa daquelas tardes modorrentas de verão em que sofremos, durante algumas semanas, com a entressafra de jogos grandes no Brasil e na Europa. O desespero de quem é doente por futebol, o amigo que é doente por futebol, como eu, bem sabe, acaba levando à assistência de partidas de JUVENIS e JUNIORES (Saudades, campeonato de ASPIRANTES!).

Encontrei, então, um jogo da gurizada do Grêmio no SPORTV, acho que do Brasileiro Sub-20, sei que era no gramado da PUC. Poucos minutos bastaram para que um baixote camisa 5, envergando a braçadeira de capitão, chamasse logo a atenção para si. O controle de bola incomum, a calma mesmo quando cercado por muitos marcadores, os passes e dribles escorreitos. O nome dele era Arthur. E ele era o dono da meia cancha.

Eu passei alguns meses incomodando todos os conhecidos que acompanham futebol, ao anunciar o surgimento de um craque. Os meses passaram. E me desmentiram. Nenhum craque chamado Arthur surgira. Até o começo deste ano.

A desenvoltura desse guri com a bola é desconcertante. Talvez por isso ele nem precise de números notáveis, como provou nosso companheiro de Grenalzito, para ser celebrado como projeto de craque e ter sido finalmente convocado por Tite.

Arthur foi decisivo, com gols ou assistências, em poucas partidas do Grêmio. Ele quase não pisa na área adversária. Não é um exímio marcador, não lidera estatísticas em desarmes. Raramente arrisca lançamentos longos. E mesmo assim pasma a todos quando está em campo. E isso acontece por uma simples, obscura e encantadora razão: é desses jogadores que suspendem o tempo, que tomam o cronômetro da partida para si e impõem a toada que lhes convêm para o que transcorre à sua volta. É dos jogadores que deitam a ampulheta. Como é Xavi. Como é Iniesta.

Aliás, esses dois eram muito parecidos com Arthur quando surgiram: discretos quanto a números, mas de uma categoria assombrosa quando com a bola nos pés. E a essência do futebol, mesmo que engenheiros táticos engendrem coreografias disciplinadas, analistas de desempenho consagrem softwares e preparadores físicos forjem atletas velozes, fortes e ágeis, ainda é e sempre será a capacidade de um cara fazer da costura entre seus pés e a bola algo mágico, belo e consolador. Como toda grande arte, o grande jogador não se deixa esquadrinhar apenas em planilhas ou gráficos, mas se define na condição de perturbar e de tirar o chão do torcedor com o seu jogo.

O futebol, ainda bem, segue nos provando que os números ajudam a explicá-lo, mas jamais conseguirão resolver as equações imprevisíveis que habitam os movimentos de um Xavi, de um Iniesta e, agora, de um Arthur: o pequeno notável que finalmente parece estar pronto para cumprir sua vocação de craque.