Bushido

Foi um segundo tempo épico, perdão pela expressão desgastada. Um dos melhores jogos da Copa do Mundo da Rússia colocou frente a frente a ‘Forte Geração Belga’, vinda de vitória meio estranha contra a Inglaterra, e o Japão, que perdeu da Polônia e se classificou utilizando uma malandragem nunca antes vista na seleção nacional – e que foi devidamente criticada. Mal sabiam eles que japoneses serão sempre japoneses.

Em um aeroporto qualquer na América do Norte torcedores do futebol de várias partes do mundo (este que vos escreve incluso) viam aquele segundo tempo hipnótico da maneira que dava: em televisões de restaurantes e lojas. Naquele momento a maioria inevitavelmente torcia pelos súditos do Imperador. O futebol rápido e de objetividade dos asiáticos parecia que finalmente despertava, com dois gols muito bem construídos e mais um sem número de contra-ataques e trocas de passes em alta velocidade. Inui e Kagawa eram os maestros da destruição de um meio de campo belga completamente perdido. Foram ao menos 25 minutos que poderiam ter transformado o placar em goleada. Como esta não veio e Roberto Martinez começou a modificar o desenho tático da Bélgica, o momento era de “fechar a casinha”, jogar feio, furar a bola, como dizemos aqui no fim do fundo da América do Sul, certo? Não para os Samurais…

A virada parecia desenhada, mesmo que o placar seguisse 0 a 2 e faltassem menos de 20 minutos para o término do cotejo. Relembrando o sentimento de ver o jogo naquele ambiente inusitado, a vontade era de pegar o primeiro voo para Tóquio e explicar pros camaradas: se o cara é mais alto que tu, mete o cotovelo no PLEXO dele (com elegância) antes de subir que ele não vai ter tanta facilidade pra cabecear e o juiz não vai conseguir ver a falta. A chance de derrubar uma das sensações do Mundial e igualar a melhor campanha japonesa de todos os tempos em Copas do Mundo estava a alguns minutos de cera de distância, num entrevero no meio de campo, empurrões e minutos preciosos perdidos – além da irritação de um adversário que psicologicamente não estava nas melhores das jornadas. Analisando agora, o que aconteceu só podia acontecer com quem traz na bagagem cultural os ensinamentos dos nipônicos.

Um gol de sorte, chuveirinho na área explorando a altura de Fellaini e Lukaku e uma troca de passes vertiginosa colocaram a Bélgica nas quartas. Mas antes do gol de Chadli aos 300 minutos do segundo tempo num contra-ataque surgido de um escanteio do adversário (?), uma sequência de lances emblemáticos provam que os Samurais não sairiam da Copa com a imagem de malandros, e sim de eternos “ingênuos”.

Falta na intermediária, 47 minutos, depois de abrir 2 a 0 o placar aponta empate. Segurando o resultado ao menos a prorrogação está garantida; sobrevida. Honda, expoente técnico, experiente e mais bem sucedido jogador do elenco ajeita a bola. A impressão é que vai cruzar. O meia do Pachuca, do México, senta o sapato e obriga Courtois a fazer ótima defesa, jogando a bola para escanteio. Nova chance para segurar a bola no ataque e gastar o tempo. Hora para encarnar São Iarley de Yokohama e morrer com a bola na bandeirinha do corner, certo? Errado… Como se fosse um lance corriqueiro em um primeiro tempo qualquer, vários jogadores japoneses vão para a área tentar a sorte contra uma defesa pelo menos 15 centímetros mais alta e um goleiro ótimo em saídas por cima. Resultado: eliminação no último minuto seguindo a estratégia de jogo traçada. “Viver e morrer com honra”.

Para nós pode parecer estúpido praticar um esporte como o futebol sem levar em conta todas as nuances do jogo – e em termos de resultado até é. Para o Japão, a derrota como se deu foi a melhor maneira de apagar a imagem deixada no último jogo da primeira fase. Que sigam ingênuos para sempre. É melhor perder sendo verdadeiro com suas raízes do que vender a alma pela vitória.