Mortífero

Uma história, porque falar do jogo de ontem é tarefa inglória e pouco divertida.

Mortífero

Ninguém lembrava do primeiro dia em que ele jogou. Mas lembrava do jogo em si. Provavelmente alguém faltou em função da chuva, do frio ou de doença. Ou mentiu que o motivo era um desses três. E aí ele jogou.

Já passavam dois anos (mais que isso? Menos que isso?) daquele primeiro jogo do Matador no nosso futebol de terça-feira. Calcular há quanto tempo os mesmo caras – com algumas desistências ou exclusões – jogavam Futebol 7 naquele mesmo campo é impossível. Mas o Matador definitivamente joga há uns 2 anos. Mais ou menos.

Os jogos são sangrentos, porém amistosos. Não valem nada, a não ser o campeonato da semana, até a próxima terça. Um lapso de vida no meio da rotina cotidiana. Mas não vale nada, pragmatisticamente falando.

16 alucinados estão lá a cada sete dias, dois goleiros fixos, um reserva para cada lado e times escolhidos minutos antes da partida. Total profissionalismo numa pelada semanal envolvendo caras entre 25 e 35 anos.

Mas a idade do Matador ninguém sabe.

Ou o lugar em que trabalha, se tem família, onde mora. As informações reunidas nas conversas pós e pré-batalha são as seguintes: é natural de Minas Gerais, de alguma cidade perto da divisa com a Bahia; Torce pro Atlético Mineiro e seu nome (verdadeiro?) é Valdir. Como veio parar aqui? Ninguém sabe e muito menos perguntou. O máximo que participa das conversas é para falar de futebol, e nunca do nosso. Sempre em voz baixa e grave.

Mas aquele primeiro jogo do Matador foi antológico. Times escolhidos e faltava um combatente no selecionado de colete verde musgo. O dia estava perfeito para uma batalha de terça: chuva fina, grama pesada, o frio do início da noite se avizinhando. E algum infeliz preferiu ficar em casa!

Atrás de uma das goleiras estava Valdir. Com o porte de um Sócrates, mas com a cara de um Stan tupiniquim. Alto, magro e com cara de bandido. Como estava fardado (de outro jogo, talvez?) alguém o convidou para completar o time. Deve ter concordado com um aceno de cabeça. Ninguém lembra destes detalhes. Apenas dos milhares de gols que fez naquele início de noite.

De cabeça, de carrinho, dividindo goleiro, bola e zagueiros ao mesmo tempo. De fora d’área, de voleio… No mínimo seis tentos! Logo no nosso futebol, com minguados placares nos 60 minutos de jogo. Daí surgiu o apelido singelo que colocamos em Valdir.

E assim é há pelo menos dois anos. Mais ou menos dois anos. O time que joga contra o time do Matador pode escolher mais jogadores para jogar atrás. E se deixar no mano a mano, é derrota no nosso campeonato semanal imaginário. Até semana passada tinha sido assim.

Matador faltou no jogo. Pela primeira vez desde sua estréia na chuva.

Na outra terça estava de volta. Barbudo e mais sorumbático que o costumeiro, como se isso fosse possível. E de repente um gaiato resolve fazer uma pergunta pro camisa 9. Ele geralmente não responde nada e coloca um sorriso de encerrar conversas na cara. Mas desta vez respondeu como uma pessoa normal, coisa que Valdir definitivamente não era.

– E aí Matador, deu migué semana passada porra?
– Fui pra minha terra…
– Tua terra?
– Em Minas….
– E foi fazer o que lá meu?
– Jogar bola…
– Sério? E fez gol pelo menos?
– Matei 2.
– De cabeça?
– De tiro mesmo.