Assim como no esporte, uma das belezas do transporte público é que ali todo mundo – na teoria – é igual. Alguns podem ter uma chuteira dourada de mil dól ou direito a vagas especiais para sentar, mas no fim do dia o jogo começa sempre zero a zero e o ônibus chega na última parada.
No início da adolescência saía de um bairro de Canoas, ia para o centro da cidade estudar e voltava de transporte público. O ônibus tinha a vantagem de te deixar muito próximo do destino. O trem (ou trensurb, uma espécie de metrô por cima da terra) era mais organizado, um pouco mais barato e te dava a oportunidade de ver mais coisas, da paisagem ao comportamento das pessoas. Quase sempre escolhia a segunda opção.
Coincidentemente a minha estação era a mesma que Claudiomiro usava – morávamos em bairros diferentes, ambos acessíveis através das passarelas do trem.
![]()
Devo ter vindo do centro no mesmo vagão do Bigorna uma dezena de vezes durante meus anos de relapso aluno. Claro que nunca fui falar com ele: era tímido demais e provavelmente falaria alguma besteira do tipo “meu pai e meu avô são teus fãs”. Certa vez num boteco em Mariluz, litoral gaúcho, meu avô me apresentou para um senhor baixinho, encostado no balcão, cabelos brancos e ar cansado: era Ênio Andrade. Tinha uns 9 anos e o máximo que consegui fazer foi sorrir e mostrar a camiseta nova do Inter que estava usando. Seu Ênio deu uma olhada de canto de olho, sorriu de volta pro meu avô e voltou ao copo e provavelmente às memórias de tempos idos.
Claudiomiro atraía olhares de outras pessoas. Muitos deveriam saber quem ele era, outros pareciam ficar com a pergunta martelando na mente: “eu conhece esse senhor de algum lugar…”. Roupas comuns, óculos com aparência de antigo, muitos quilos extras, mas aquele mesmo ar duro de quem enfrentava a vida e os zagueiros com seriedade (essa era a impressão de um guri de 12 anos, sem muita informação sobre a história daquele ex-atleta do time que torcia).
Ali, sentado nas poltronas plásticas do trensurb, Claudiomiro era igual a todos. Com a diferença do passado. Esse, glorioso, nenhum presente poderia apagar.
Chegava em casa, comentava com o meu pai sobre o ilustre passageiro com quem dividira minutos de viagem, e ouvia de novo as histórias dos gols, da força e da “centroavância nata” do Bigorna. Nem sempre é preciso viver a história para entendê-la.
